
Uma das principais marcas da política externa brasileira no primeiro governo Vargas (1930-1945) foi a negociação do alinhamento com os Estados Unidos. Como uma decorrência do próprio processo de negociação, no fim já não havia mais o que barganhar com Washington em favor dos interesses do país. O cenário do pós-guerra, com a Europa em ruínas, com os Estados Unidos na condição de única potência política, militar e econômica do Ocidente, e com a inversão da aliança entre Washington e Moscou que resultou na Guerra Fria, estreitou ainda mais o espaço de manobra internacional do Brasil, tornando a consolidação do alinhamento com Washington a única opção para o governo anticomunista do general Dutra (1946-1950).
Foi este cenário que Vargas encontrou ao retornar ao poder com as eleições de 1950. No entanto, o discurso nacionalista que o ajudou a eleger-se presidente da República sugeria uma política externa mais autonomista. Isso fez com que Vargas buscasse o que os analistas chamaram de barganha nacionalista, pela qual procurava negociar o apoio político-estratégico do Brasil aos Estados Unidos em troca da ajuda norte-americana ao desenvolvimento econômico brasileiro, buscando simultaneamente atender as demandas dos setores mais favoráveis ao alinhamento a Washington e daqueles mais comprometidos com o ideário nacionalista.
Entretanto, diferentemente do período da Segunda Guerra, a década de 1950 não apresentava as mesmas condições propícias a barganhas ou negociações. Assim, um comportamento mais autônomo, que projetasse o Brasil no plano internacional, teve de ser restringido a regiões e temas em que os interesses estratégicos norte-americanos não estivessem ameaçados. Não por outra razão, a posição do país frente aos vizinhos continentais se pautou por essas prioridades. Digna de nota, neste sentido, foi a postura brasileira nas discussões acerca da crise guatemalteca, na X Conferência Interamericana, em 1954, ao endossar as prioridades norte-americanas de combate ao comunismo, e não o esforço latino-americano para aprovar resoluções de natureza econômico-social.
Mas no início do segundo governo Vargas ainda havia expectativas bastante positivas quanto ao relacionamento com Washington no tocante à promoção do desenvolvimento econômico brasileiro. De fato, esperava-se que o alinhamento político e militar fosse recompensado por políticas de cooperação econômica entre os dois países. Logo no primeiro ano de sua administração, por ocasião da Conferência de Washington, Vargas teve a impressão de ter obtido importantes concessões econômicas dos Estados Unidos, inclusive com a instalação da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos.

No que se refere particularmente ao plano estratégico-militar, uma questão central do período foi o debate em torno da participação do Brasil na Guerra da Coréia. Ao contrário do que aconteceu na Segunda Guerra Mundial, quando havia setores francamente favoráveis à participação militar direta do Brasil, a solicitação do governo de Washington para que o país enviasse tropas à Coréia não foi bem recebida. De modo a evitar que a recusa brasileira prejudicasse as conversações em torno da maior cooperação econômica dos Estados Unidos, Vargas procurou desvincular as duas esferas de negociação. O mesmo, entretanto, não podia ser feito com relação ao Acordo Militar. De fato, a assinatura deste Acordo, em 15 de agosto de 1952, se inseriu nas negociações sobre a participação do Brasil no conflito coreano. Ao final, em troca do fornecimento de equipamentos e serviços de natureza militar ao Exército brasileiro, o Brasil se comprometeu a fornecer minerais estratégicos aos Estados Unidos; mas resistiu à pressão para enviar tropas ao teatro de operações. Após uma difícil tramitação no Congresso, tendo em vista a forte oposição nacionalista, que polarizou o debate público em torno do tema, o Acordo Militar foi finalmente aprovado em março de 1953.
Outra questão associou fortemente a política interna e externa brasileiras no período: as discussões em torno da criação da Petrobras. Item central na campanha presidencial de Vargas, o tema esteve no centro do debate entre os então chamados "entreguistas" e os nacionalistas que se opunham fortemente às pressões dos Estados Unidos em favor das grandes companhias de petróleo. Finalmente, em outubro de 1953, o Congresso aprovou a Lei 2004, de criação da Petrobrás, que garantia o monopólio estatal na pesquisa, lavra, refinamento e transporte do petróleo. A lei aprovada foi muito além do projeto original de Vargas, que viu esse resultado incidir de modo fortemente negativo sobre as relações do país com Washington.
Por fim, as suspeitas de uma articulação política secreta entre Vargas e o presidente argentino Juan Domingo Perón para a formação, junto com o Chile, do Pacto ABC - que se pretendia uma alternativa ao alinhamento com os Estados Unidos -, foram um ingrediente a mais na fórmula que, misturando questões de política interna e internacional, agravou a crise política que levaria ao fim do governo, com o trágico ato de Vargas.
Enfim, longe daquilo que Vargas conseguira no seu primeiro governo - um alinhamento negociado com os Estados Unidos -, desta feita os condicionamentos que haviam feito o Brasil entrar na lista de prioridades da agenda externa de Washington impediram a realização do projeto de revisão das relações entre os dois países. Mas nem por isso este anseio foi excluído da agenda de nossa política externa.
Texto de Leticia Pinheiro